RotaWeeb: Em Busca de um Otaku mais Fitness
Em 2019, quando publiquei no Medium o texto Colocando os Otakus fedidos em forma, tinha como objetivo principal seguir o embalo do relativo sucesso do anime de Dumbbell Nan Kilo Moteru?(Gif que dá capa ao post) e da reação de estranheza à sua proposta e trazer um pouco de informação a respeito desse nicho tão pequeno que são os animes de Zumba, e quem sabe incentivar que mais pessoas olhassem com bons olhos para esses animes e apreciassem a conceito deles, ainda que sejam naturalmente recheados de fanservice e erotização.
Nem sequer poderia imaginar eu que depois de um ano de publicação esse mesmo texto entraria entre os mais acessados do meu blog (como meus amigos gostam de chamar o meu espaço aqui na plataforma).
Mas o surpreendente sucesso desse texto anterior não é o que me leva a esta nova publicação. Não. A verdade é que eventos recentes me fizeram pensar um pouco mais sobre o assunto, e algumas coisas que rodeiam este tema. Como por exemplo o fato de que muitos (leia-se: uma quantidade não definida de) fãs de anime, ou de cultura japonesa, acabam engajando-se na [ou: iniciando a] prática de algum esporte, ou atividade física, por inspiração em algum anime. Não duvido que Haikyuu tenha motivado alguém a jogar vôlei, ou que Free tenha despertado o interesse de alguém em natação, e não faltam histórias de otakus que começaram a praticar Kendo pelo simples fato de ser um esporte japonês (Aliás, Bamboo Blade é um excelente anime sobre o esporte)… Exemplos de animes como estes certamente não faltam, e só nessa primeira temporada de 2021 tivemos sete animes com a tag esportiva no myanimelist (O que inclui a segunda temporada de Uma Musume: Pretty Derby).
Aliado a isso, percebi que ano passado não publiquei nenhum texto da RotaWeeb, então acabei decidindo juntar uma coisa com a outra e aproveitar esse momento para contar um pouco da minha relação com a prática esportiva e atividade física.
Lembrando que a RotaWeeb é uma série de textos publicados sem regularidade definida em que aproveito para relembrar o passado e falar de minha trajetória como otaku degenerado, como fui me envolver com esse meio e falar sobre mim mesmo de um jeito mais solto. A nostalgia não é o objetivo, mas uma inevitabilidade. A pretensão dessa série é dar oportunidade para aqueles que se tão o trabalho de ler os meus textos possam entender quais são minhas referências de vida, pelo que passei, e porquê penso da maneira que penso.
Quando se trata da minha infância, isso é, a época do pré (jardim de infância), a minha memória nunca foi das melhores. Lembro de alguns amigos que tinha na escola, uma ou outra atividade ou recordação, mas de modo geral muito do que eu sei daquele tempo são as coisas que me contaram depois que fiquei mais velho. Por conta disso, não posso falar muito dessa época, mas é claro, o que sei é que era uma criança normal da minha idade, brincava com os colegas de pega-pega, adorava escalar os brinquedos do pátio da escola e coisa do tipo…
Dito isso, minha relação com o esporte começou da mesma forma que a de muitos brasileiros: através da escola. Claro, nas séries iniciais do ensino fundamental a maioria das atividades físicas não eram esportivas, e sim brincadeiras, como o chuta-lata e o polícia-e-ladrão, mas futebol sempre foi uma presença constante, era assim desde o jardim de infância, ainda que naquela época as regras fossem… digamos, opcionais.
Não havia fora, não havia mão, muito menos se ouvia falar em impedimento. Enquanto ninguém estivesse caído no chão, tudo valia. Não se contavam os gols, nem se declarava vencedores e na maioria das vezes nem se definia os times, o que importava era chutar a bola e tentar fazer um gol, não importava de que lado fosse.
Sim, as coisas ficavam sérias às vezes, de vez em quando tinha bola fora, a professora contava os gols, um dos times usava colete, e por ai vai, mas o futebol sempre foi tratado, pela maioria, como apenas mais uma das brincadeiras que se fazia na escola.
Com o passar do tempo, conforme ficávamos mais velhos, o futebol e as brincadeiras de sempre deixavam de ser a atividade principal da educação física. Aos poucos, os professores insistiam mais e mais em submeter os alunos a todo tipo de exercício físico que se pode imaginar, desde treinamentos de fundamentos dos esportes coletivos, como passe, domínio de bola, até alongamentos e exercícios que envolviam correr pela quadra.
Foi nessa época que esportes como handball, basquete e vôlei foram devidamente introduzidos a mim e meus colegas, e constantemente eram tratados como substitutos menos desejáveis ao futebol, que então passava a ser uma espécie de recompensa para as atividades mais chatas da educação física.
Mais tarde, por volta da quinta série do ensino fundamental, atividades de atletismo também passaram a fazer parte da rotina da educação física. Em sua maioria envolviam correr, ou às vezes apenas caminhar, ao redor do gramado de futebol, mas algumas vezes também fazíamos algo diferente, como arremesso de peso, salto em altura e distância, revezamento…
Também houve um ou outro momento em que fomos apresentados a academia que ficava dentro do terreno da escola, era um espaço que parecia ser improvisado, uma sala em formato de L, dentro da cobertura da piscina olímpica, em cima das arquibancadas, que ficava na parte de trás do colégio, próxima das quadras de concreto onde a maioria das aulas de educação física eram realizadas (em dias de sol, pois eram ao ar livre). Não era um espaço tão pequeno, mas ao mesmo tempo não sei como conseguiram colocar uma turma inteira ali dentro, ainda que fossem apenas os meninos da sala.
Pouco mudou da quinta até oitava série, independente do ano as aulas pareciam ser sempre as mesmas, e o intervalo também não era muito diferente. Sempre que podíamos (o que era praticamente todo dia), ocupávamos uma das quadras vagas e jogávamos futebol com a bola de alguém (ou uma vez ou outra com uma emprestada do colégio) até o fim do recreio. No caminho até a quadra, quem trazia lanche de casa o comia nesse deslocamento, enquanto aqueles que não compravam um na cantina do colégio.
Sempre fui um dos mais tímidos da sala, e como é de se esperar do estereótipo aluno mais quieto eu também era um dos últimos a serem escolhidos durante a formação dos times na educação física. O que não significava que eu era um dos piores jogadores da turma, ou um peso morto, na verdade contribuía até que bastante para a zaga e marcação, e também ocupava relativamente bem a função não muito desejada de goleiro, mas estava longe de ser um daqueles jogadores que carregava a bola e saia driblando tudo mundo por ai, por isso acabava não chamando muito a atenção. E também, como dá para imaginar pelo parágrafo anterior, eu estava na sala dos que mais gostavam de jogar futebol, então era bem natural eu não estivesse entre os primeiros a serem escolhidos, já que não era tão aficionado pelo esporte como meus colegas, o que nunca foi segredo pra ninguém, pois nem sequer torcia de verdade para algum time, algo que nesses meus 30 anos de idade não mudou.
Uma vez por ano o nosso colégio promovia um simulacro dos jogos olímpicos, em que as turmas de cada ano competiam entre si nas mais variadas modalidades. O que incluía os jogos coletivos comumente praticados nas aulas de Educação Física, algumas modalidades de atletismo e também havia uma gincana com das mais variadas atividades.
Ao contrário da minha turma, que era competitiva ao ponto de todas as outras turmas se unirem contra ela, numa me importei em ganhar as olimpíadas ou de ficar em primeiro em todos os esportes. Eu era, claro, participativo no que precisasse ser.
No Ensino Médio as coisas já eram diferentes, como essas séries ficavam em um campus diferente, já não havia a opção de jogar futebol durante o intervalo, em vez disso a maioria dos alunos ficava jogando truco nas mesas próximas à cantina do colégio, dando voltas ao redor da igreja que ficava no pátio do colégio, ou simplesmente se reuniam sentados em algum banco, degrau de escada, ou canto qualquer para matar tempo até retornar às salas.
Ao mesmo tempo, não lembro se apenas no primeiro ano do Ensino Médio, ou apenas no segundo ano, ou em ambos, a escola pedia que os alunos escolhessem uma atividade para fazer no período da tarde, isso é, futebol, basquete, vôlei etc… e se você prestou atenção até aqui já deve ter imaginado que a maioria dos alunos optava pelo futebol.
Pois é. Eu não sei exatamente por qual motivo, isso é, se tinha mesmo um motivo, mas acabei optando por ter como atividade a academia. Talvez fosse por influência de amigos, talvez fosse por para fugir da atividade de sempre que era o futebol, talvez fosse essa a única opção que um rapaz tímido como eu tivesse para desfrutar um tempo sozinho, de qualquer forma, essa foi a minha escolha.
Optar pela academia naquele momento teve suas consequências, a primeira, e provavelmente a principal delas, foi a de, bom, não gostar do ambiente de academia. Primeiro porque não havia organização nenhuma ali. Supostamente deveria haver um responsável pelo lugar que deveria instruir os alunos a como utilizar os equipamentos, marcar a presença de cada aluno, e estabelecer uma rotina de treino para cada um, que deveria ser atualizada de tempos em tempo mas… Quem era essa pessoa? Ninguém nunca sabia de nada, os funcionários da academia também não estavam informados, às vezes parecia que frequentar a academia durante a tarde não era de fato uma atividade extracurricular, ou que a relação entre escola e aquela academia era completamente unilateral.
Sem falar que o ambiente não era dos melhores não. Não apenas rádio que tocava como barulho de fundo na academia era bem duvidosa, pra dizer o mínimo, às vezes parecia que o pessoal ia lá mais pra se olhar no espelho do que outra coisa… mas sei lá. Talvez isso seja o preconceito falando.
Mas nem de longe minhas atividades físicas se limitavam apenas as realizadas dentro do horário letivo. Lembro que por volta dos meus 11 anos fui matriculado em uma escolinha de futebol de salão, motivado pelo ingresso dos meus amigos mais próximos do jardim de infância na mesma. Ou seja, quando já estávamos no ensino fundamental, de modo que frequentava a escolinha a tarde enquanto tinha aula de manhã.
Na prática a escolinha era apenas um repeteco das aulas de educação física do ensino médio, só que com o foco no futebol, alguns anos antes, e nem todo mundo que fazia parte da escolinha estava na mesma faixa etária, inclusive a maioria dos alunos eram mais velhos.
Confesso que não gostava muito das aulas na escolinha, e há bons motivos para isso. O primeiro é que os alunos mais velhos inevitavelmente jogavam melhor do que os outros, não por habilidade propriamente dita, mas porque eram mais velhos mesmos, corriam mais, eram mais fortes, tinham mais experiência que o resto da turma, e principalmente estavam ali porque levavam o futebol mais a sério. Isso tirava bastante do nosso espaço porque, para piorar, a escolinha não incentiva os alunos que se sobressaiam menos na quadra a melhorar, e esses ficavam mais tempo fora de quadra, recebiam menos atenção durante os ensinamentos de passe e de domínio de bola e por vezes eram largados de lado com uma bola e meia-quadra. E quando participavam de uma partida, eram indiretamente coagidos a ficarem mais na defesa.
Essa escolinha também levava os alunos para participar dos campeonatos juvenis da região. Mas nunca se sobressaia, e essas participações sempre eram das mais curtas. Aos poucos meus antigos colegas de jardim foram desistindo da escolinha, de modo que fui perdendo o contato com a grande maioria deles, até que eu mesmo já não via motivos para continuar frequentando as aulas. O que na prática tinha acontecido antes mesmo do cancelamento da matrícula, pois na prática eu e um outro colega íamos para aulas mais para conversar e jogar papo fora do que entrar na quadra e jogar futebol.
Também fiz aulas de natação em dois momentos de minha vida. No primeiro deles eu ainda era muito novo, sei que fazia junto da minha irmã mais velha, que tinha diversos amigos lá, e que costumávamos pular na parte mais funda da piscina gritando coisas como “gerônimo”, “até o fundo do inferno” e bobagem aleatórias, apenas para tentar alcançar o fundo da piscina e voltar o mais rápido possível. Fora isso, realmente não lembro de como eram as aulas em si, e pelo que me falam eu e minha irmã desistimos das aulas de natação, pois o professor das aulas queria que a minha irmã nadasse de forma competitiva, mas ela não gostou muito da ideia.
A segunda vez, por outro lado, foi quando estava nas séries finais do ensino fundamental. Lembro que foi na mesma época em que Love Hina passou a ser exibido no Cartoon Network, em 2006, meia-noite e meia. Nessa época eu já tinha tv no quarto, então para mim acabava sendo fácil assistir aos desenhos que passavam de madrugada na cartoon, isso é, se eu conseguisse ficar acordado até lá. Para combater o sono eu fazia série curtas de flexão, entre um episódio e outro, até começar Love Hina. Confessor que, apesar da técnica, nem sempre foi bem sucedido, e só fui assistir Love Hina por inteiro anos depois, baixando o anime completo em alguma fansub, porque a cartoon acabou exibido ele apenas uma vez. Apesar disso, fez parte do que me motivou a assistir os animes que passavam mais tarde da noite, ou em plena madrugada, no canal, como Samurai Champloo, Trigun, Sakura Wars, Cyborg 009, The Animatrix e o estranho Cinderella Boy (Conhecido no Brasil também como Efeito Cinderella), o que naturalmente é uma das coisas que me inseriu de vez no mundo dos animes. E é claro, há outros canais envolvidos nisso dai, como a antiga Fox Kids e até a MTV, mas isso é assunto para outro texto da RotaWeeb…
Mas o que assistir anime de madrugada tem com as aulas de natação? Bom, além da época, o horário. Óbvio que eu não fazia aula de madrugada, mas lembro de sempre voltar pra casa bem tarde da noite. A sensação que tenho é a de que o rito de assistir animes de madrugada era como uma extensão das aulas de natação (nos dias que eu as tinha, claro), talvez eu voltasse para casa já às oito da noite, quem sabe mais tarde, mas com o acréscimo do banho e da janta, a sensação é de estar em casa só as onze e meia da noite.
Fazer aulas tão tarde era sem dúvidas cansativo, mas isso por si só não me fez abandonar as aulas. Até porque, se fosse esse o motivo, bastaria mudar o horário. Não. O próprio ato de nadar em linha reta de um lado para o outro, ainda que mudando o estilo de vez em quando, acabou se tornando bastante monótono com o passar do tempo de modo que fui perdendo o interesse.
Além das aulas de natação, sempre tive forte afinidade com atividades aquáticas. Por morar em um prédio com piscina, tardes passadas nelas foram fartas. Muitas das minhas memórias de infância acabam envolvendo a piscina do prédio. Sejam os “caldos” que levei da juventude mais velha do prédio, os pulos que dávamos dentro e por cima da piscina, ou as deslizadas de bunda pelas bordas de plástico (molhadas) dela. Bem provável que, não fosse a piscina do prédio, nunca teria sequer contado com outros moradores dali fora vizinhos de porta e conhecidos de meus pais.
Como temos uma casa perto da praia desde que me conheço por gente, passar os verões, e por vezes as férias de inverno, longe da cidade e perto do mar sempre foi o status quo da coisa. Por isso acordar cedo e ir para praia sempre fez parte da nossa rotina nos dias de verão e de muitos finais de semana. O que levou a muitos castelos de areia serem construídos e posteriormente demolidos pelas mesmas ondas que pulávamos quando entravamos no mar. Mas a principal atividade da praia era o surf deitado, ou Bodysurf, aquele usa uma Bodyboard, sabe, aquela prancha menor e proporcionalmente mais larga, mas na falta dela sempre nos virávamos no jacarezinho.
O surf sempre foi a atividade principal das férias de verão, principalmente quando chegava o carnaval, quando mais banhistas ocupavam a parte rasa do mar, e cada onda tinha a diversão extra de ter que desviar das pessoas enquanto trafegávamos em alta velocidade com nossas pranchas em direção à areia.
Quando fiquei mais velho também tentei surfar de pé utilizando uma shortboard usada de um conhecido, mas a prática nunca se tornou um hábito porque sempre ficava a impressão de que as ondas não eram grandes o bastante e que quebravam cedo demais para se surfar em pé, além de sempre haver o receio de poder atropelar e machucar algum banhista no meio da brincadeira, algo que não era tão preocupante com a prancha menor.
Fora do mar, caminhar de uma ponta à outra da praia não era nem de longe uma atividade estranha, e o mesmo pode ser dito para o taco (ou bets), frescobol e o próprio vôlei. Além das diversas outras modalidades esportivas que inventávamos quando não tínhamos muito mais o que fazer.
Dito tudo isso, é possível concluir que sempre fui uma criança bastante ativa em minha infância, apesar de nunca ter sido um dos alunos mais atléticos da sala e muito menos alguém bastante competitivo no esporte. O que até ai não temos nada de muito surpreendente, criança tem mesmo disposição pra todo tipo de atividade física, tanto é que a maioria das atividades tipicamente infantis envolvem algum tipo de movimento. Criança é assim mesmo, está sempre pulando, correndo e gritando por ai.
Mas e depois disso? O que foi que aconteceu?
Bom, o que aconteceu é que o negócio desandou. Depois que concluí o Ensino Médio e entrei no Ensino Superior passei a morar sozinho na capital, em uma quitinete, pequena mas aconchegante, próxima à universidade. E, durante esse tempo, o máximo que fazia de exercício era ir e voltar da faculdade.
Ok, voltar das aulas significava subir um morro consideravelmente íngreme, o que requeria algum esforço, e um final de semana ou outro inventei de caminhar até o shopping que ficava nem tão perto da universidade, mas com certeza não era atividade física o bastante para alguém da minha idade.
Felizmente, esse nível de sedentarismo não durou tanto tempo assim. Após um ano e meio estudando Filosofia, percebi que continuar naquele curso não era o que realmente queria fazer e, apesar de ter aprendido bastante durante esse período, decidi voltar para minha cidade natal e entrar no curso de Letras.
Como a faculdade de Letras não tinha vestibular de inverno, fiquei meio ano fora do Ensino Superior, e durante esse tempo acabei retomando as atividades físicas de maneira tímida. Como moramos próximo de um Batalhão do Exercito, sair para caminhar na calçada dele junto de minha irmã acabou se tornando rotina, relativamente falando. Ainda que saíssemos para caminhar quase todos os dias, nem sempre caminhávamos no mesmo horário, nem sempre dávamos o mesmo número de volta ao redor do batalhão, e às vezes estreitávamos algumas corridas em alguns trechos da caminha.
Quando comecei a faculdade de Letra nossos horários passaram a não bater. Enquanto minha irmã estava ocupada durante a tarde, eu fazia faculdade durante a noite, e quando eu voltava para casa já estavam tarde demais para sair para caminhar. Por isso a rotina foi deixada de lado. Ainda caminhávamos um ou outro final de semana, mas nada muito regular.
E ficou por isso mesmo por algum tempo, até que um exame de rotina mostrou que eu estavam com o colesterol um pouco acima do que é considerado normal, e ficou claro que eu precisava me exercitar mais.
Foi dai que decidi caminhar sozinho pela cidade, a tarde, pois era o horário que eu tinha mais disposição pra fazer algo do tipo, já não pegava o sol do meio dia, e dava tempo para tomar banho antes de ir para as aulas a noite.
Comecei aos poucos, caminhando apenas aqui por perto. Eram caminhadas de no máximo 45 minutos nas ruas do bairro. Um dia caminhava por um certo percurso, no outro fazia a mesma caminhada, mas no sentido contrário. Desde o começo passei a utilizar o Google Maps para ter noção da distância percorrida em cada uma dessas caminhadas, e comecei salvando os prints dos mapas de por onde havia percorria.
Demorou apenas algumas semanas até eu juntar esses prints montar um mapa só e anotar por quais ruas eu já tinha passado. Aos poucos cada vez mais ruas eram pintadas pelo vermelho escuro, a cor escolhida, e passei a planejar as minhas caminhadas para preencher cada vez mais o mapa. Laterais, ruas sem saída, serviçais… Se antes minhas caminhadas eram majoritariamente em linha reta, agora passavam a ser em ziguezague, como se eu estivesse costurando, ligando os pontos abertos no mapa.
Essa gamificação da caminhada foi me levando a lugares cada vez mais distantes, a cantos da cidade que nunca sonharia em cruzar ou que nunca imaginaria que existissem. Passei a ver a cidade de outra maneira, a entender melhor o seu layout, e a cada lugar novo visitado levava um mapa no bolso, algo bastante simples, sem muitos detalhes, apenas alguns pontos de referência. Utilizava papeis velhos, por vezes resultados de impressões antigas, que não tinham mais utilidade, ou que saíram errado por algum motivo. Às vezes utilizava o mesmo papel para múltiplos mapas, em outros momentos alterava o mapa de uma caminhada anterior para se adequar a uma nova, e às vezes descrevia o caminho que planejava seguir, utilizando frases diretas, ou mesmo setas, para indicar em quais esquinas deveria virar.
Minhas caminhadas passaram a durar mais de duas horas nos dias de semana, e passavam facilmente a marca de três horas nos finais de semana. Aquele primeiro mapa virtual já não conseguia englobar toda a gama de lugares por onde passei ou planejava visitar em futuras aventuras, e precisou ser substituído uma ou duas vezes.
Foi uma rotina que perdurou uns bons anos, resultou em várias bolhas nos pés e no desgaste das solas de alguns sapatos. Se hoje sou capaz de caminhar meia maratona sem uma preparação prévia, ou se consigo me localizar em (quase) qualquer bairro da na minha cidade sem precisar usar um mapa, é porque fui reunindo o que era necessário aos poucos.
Depois que me formei na faculdade de Letras e passei a trabalhar como revisor de texto freelancer, minhas caminhas deixaram de ser rotina e passam a ser mais esporádicas. Pois, passando a trabalhar tanto pela manhã como à tarde, já não era possível caminhar no horário de sempre sem que isso afetasse o meu trabalho, afinal, eu me conheço bem e sei que não vou render bem no meu trabalho depois de uma longa caminhada. Ainda, caminhar à noite não me parece uma boa opção pois, a menos que eu limitasse a minha caminhada ao redor do batalhão, e ainda que eu viva numa cidade relativamente segura (caso contrário não poderia caminhar por tantos lugares tão tranquilamente), esse horário acaba sendo menos seguro do que durante o dia.
É claro, ainda podia caminhar livremente nos finais de semana, nos dias em que não tinha nenhum material a ser revisado, ou ainda após entregar uma revisão feita, principalmente quando a terminava pela manhã ou no comecinho da tarde (vantagens de se trabalhar como freelancer). E assim conseguia caminhar ao menos duas vezes por semana.
Tudo ocorria bem, ao menos nesse quesito, até que 2020 chegou e com ele veio a pandemia da COVID-19. Como tudo aconteceu ainda no começo do ano, a decisão de se isolar na casa de praia veio naturalmente. Na prática já estávamos aqui desde o início do verão, e como eu estava trabalhando de Home Office já antes de 2019 ficar aqui ou lá não varia diferença, tudo o que eu precisava para trabalhar é do acesso a internet para abrir e-mails e volta e meia fazer uma ou outra consulta, e, advinha, a internet é melhor aqui. Outros fatores também foram importantes, claro, como o fato de meus pais estarem aposentados, serem parte do grupo de risco (ou, melhor dizendo, grupo de mais risco, pois risco todos correm), maior conforto e naturalmente menor contato com as pessoas.
O isolamento acabou impactado bastante a frequência das minhas caminhadas. Mais em virtude da minha indisposição de sair para caminhar no meio de uma pandemia, principalmente no começo, do que qualquer outro motivo. Claro, há menos opções de lugares para caminhar por aqui, afinal pra um lado tem o mar e pra outro a estrada que leva até aqui, mas se eu disser que tô cansado de caminhar na beira da praia vai ser só uma baita de uma sacanagem com todo mundo que tá lendo isso aqui, principalmente pra que passou a maior parte da pandemia trancado dentro de um apartamento. Sabemos que não é esse o problema.
Voltei a caminhar apenas depois de alguns meses de pandemia, dando preferência aos dias de semana, pois nesses dias há menos pessoas circulando por aqui, ficando relativamente fácil sair sem cruzar com quase ninguém na rua, ou mesmo na praia. Ainda assim, sempre caminhando de máscara, que sinceramente nunca foi um problema pra mim, até durante o inverno ela acaba sendo mais um acessório de proteção contra o frio.
Para não ficar tão parado assim, nesse meio tempo, procurei atividades que pudesse fazer em casa, em dias que não pudesse sair para caminhar por conta da chuva, ou por questões de tempo. Tentei fazer aqueles exercícios básicos, polichinelo, flexão, abdominal, burpee, e até desenterrei dois halteres daqui de casa, mas o problema sempre foi praticar esses exercícios de maneira constante, de lembrar de fazê-los todos os dias, e de manter um ritmo de treino que canse mas não te deixe esgotado no dia seguinte.
Foi por conta disso que a Demo de Fitness Boxing 2, para Nintendo Switch, caiu como um luva para mim no começo desse ano. Bastaram três dias de teste para que eu adquirisse o jogo e o incluísse na minha rotina de exercícios.
Como bom Weeb degenerado que sou, mudei as vozes do jogo para japonês no momento que pude, e passei a ter meus jabs, hooks e uppercuts instruídos pelas vozes familiares de alguns dubladores de animes como Saori Hayami, Rie Kugimiya, Akio Ootsuka, Akari Kitou e Yuuichi Nakamura, que dão vida aos nove instrutores do jogo. Tudo isso acompanhado de versões instrumentais de músicas populares como Y.M.C.A. de Village People, Hot n Cold de Kety Perry e até Sandstorm do DJ finlandês Darude.
Logo no primeiro dia de treino percebi que o que o Demo oferecia era uma amostra bem curta do que realmente seria a experiência padrão com o jogo de ritmo. Enquanto na Demo os exercícios diários eram bastante curtos, e envolviam apenas socos, os da versão completa são mais longos, e incluem outro movimentos, alguns deles envolvem mover os pés, com passos para frente, trás e lados, enquanto outros envolvem movimentos defensivos, como esquivas e bloqueios.
Habituei-me a sincronizar a respiração com as batidas da música, com o ritmo do jogo, movendo o corpo para frente e para trás como instruindo, harmonizando os socos e outras ações ao deslocamento do corpo, me esforçando ao máximo para tirar o maior proveito do jogo.
Parecia que tudo havia voltado aos trilhos e, honestamente, era até aqui que eu pretendia escrever o texto, deixando para o fim a conclusão de que a gamificação de um exercício pode ser o que falta para alguém reunir a disciplina e a disposição para manter uma rotina de exercícios saudável...
Mas enquanto eu escrevia o início desse texto aconteceu. Depois de mais de um ano em isolamento, tomando toda a forma de cuidado possível, eu fui infectado pelo Coronavírus. Adianto que meu caso não foi muito preocupante, minha mãe também pegou e desenvolveu alguns sintomas, e meu pai pegou mas foi assintomático, até chegamos a fazer o teste rápido (que deu negativo para os três), mas não precisamos de atendimento hospitalar, e só tivemos certeza de que era covid mesmo um mês depois, quando minha mãe fez o teste de anticorpos, por indicação médica, e deu positivo. Meu pai e eu também fizemos, uma ou duas semanas mais tarde, e ambos os testes deram positivo para anticorpos da COVID-19. No final estamos todos bem, mas eu espero não ter passado isso para ninguém.
Os primeiros sintomas apareceram justamente quando eu estava jogando Fitness Boxing. Normalmente, da forma que jogo, o jogo divide o exercício diário em seis partes, na primeira e última ele instrui um alongamento completo, enquanto nas outras quatro há o exercício de fato. É bastante cansativo, principalmente para no começo, quando não se está acostumado, porque se usa alguns músculos que não dão tão utilizados no dia-a-dia ou em outros exercícios. Por isso é normal ficar bastante cansado no meio de tudo, ou ao final da prática diárias, mas naquele dia fiquei ofegante já após o primeiro alongamento.
Fazer o restante do exercício diário pareceu quase impossível, cheguei a pausar algumas vezes durante as partes, até pensei em não continuar, mas com muita insistência fui até o final.
Nos dias seguintes não consegui mais continuar a usar o jogo, estava cansado, qualquer movimentaçãozinha já me deixava ofegante, com o coração acelerado, tinha dores atrás dos olhos e um pouco de febre. Minha mãe, além disso, chegou a perder boa parte do paladar, o que levou o médico a desacreditar do resultado do exame rápido, quando ainda estávamos doentes, e sugerir uma contraprova.
Por conta da covid fiquei sem me exercitar por bastante tempo. Fiquei de cama quase uma semana toda, mas acabei me recuperando, aos poucos. Voltei a caminhar depois de um mês pelo menos, e comecei com uma caminhada mais curta, e só depois voltei a percorrer um trajeto mais parecido com o que estou acostumado.
Quanto ao Fitness Boxing, acabei voltando ao jogo depois de quase três meses sem jogá-lo, talvez pelo baque que foi a minha última experiência com ele, ou talvez porque eu ainda não me sentia 100% preparado para voltar a praticar um exercício tão intenso, dado o tempo que fiquei parado.
Percorrido todo esse caminho resta agora saber como isso tudo mudará com o final da pandemia, se retornando para cidade continuarem com esse número menor de caminhadas, ou se elas voltarão de ser minha atividade física principal. O que eu posso dizer com certeza é que Fitness Boxing ainda será um bom parceiros nos dias de chuva, quando eu não tiver tempo de sair para caminhar durante a tarde, ou quando não puder sair por qualquer outro motivo.
De qualquer forma, se você pretende, após a leitura desse texto, sair da inatividade física e criar a sua própria rotina de exercícios, lembre-se de sempre respeitar os limites do seu corpo, comer e se hidratar bem, e principalmente de ter paciência e de não exigir de si mesmo resultados instantâneos e milagrosos. Porque a nossa saúde e condicionamento físico não é algo que possa ser construído da noite pro dia e, no final das conta, esse é o nosso bem mais valioso de todos.