Quando um Spoiler deixa de ser Spoiler?

Marcelo Hagemann Dos Santos
4 min readApr 12, 2022

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É bastante comum ver as pessoas repercutirem a ideia de que, quando um anime, série, filme, livro etc. é antigo, falar sobre os acontecimentos, o desenrolar e até a conclusão de sua trama não é spoiler pelo simples fato de se tratar de uma obra que já existe há bastante tempo, como se existisse uma espécie de prazo de validade (trocadilho intencional) para um factoide em que, no momento que esse prazo é superado, expô-lo em uma conversa deixa de ser um spoiler, mas…

A verdade é que não é bem assim. Como praticamente tudo na vida, spoiler é questão de contexto.

Por exemplo, quando você comenta sobre algum elemento de um anime que você viu durante a infância, por vezes como forma de trivia ou fato curioso, é pouco provável que você mesmo, aqueles que também viram o anime durante a infância, e até mesmo quem nunca acompanhou o show citado (seja pela idade, não terem nascido na época, ou por qualquer motivo esse tenha passado por despercebido dessas pessoas), considere essa menção como um spoiler, mas não por se tratar de um anime antigo, algo que você viu há muito tempo, mas sim por conta do contexto.

Pois, ainda nesse exemplo, imaginamos que você tenha um amigo que, por qualquer motivo, tenha decido ver esse anime. Você sabe disso, e sabe que esse seu amigo ainda não viu o elemento do anime citado pelos próprios olhos. Nessa situação tal factoide passa a ser considerado um spoiler.

O motivo está no próprio significado de spoiler. O termo vem do verbo inglês “spoil”, que significa estragar, prejudicar, deteriorar, no sentido de algo que perdeu a sua qualidade, ou de perder a validade (por isso a menção de trocadinho no começo do texto). No contexto das narrativas, o termo é usado no sentido de estragar uma surpresa, de revelar um elemento não apresentado antes da hora, tirando a satisfação de alguém descobrir um mistério e de ver o de algum dilema ou problema apresentado pela trama.

Claro que ai há um detalhe importante a ser notado. Que é nada menos que o fato de que, para que a experiência de alguém seja arruinada, é preciso ter alguém que possa ter sua experiência arruinada. Por isso que, em um contexto em que ninguém está assistindo dada obra, ou não há ninguém que pretende assistir a mesma, e supostamente quem iria ver já viu, não há plot twist ou mistério que seja considerado como um spoiler.

E essa pessoa nem precisa ser uma pessoa factível, presente na conversa, ela também pode ser hipotética. E é por isso que elementos de obras recentes são geralmente mais comumente considerados como spoiler, pois enquanto um filme está em cartaz, por exemplo, é mais provável que nem todo mundo afim de assistir esse filme o tenha feito, às vezes por questão de tempo ou mesmo por indisponibilidade de salas, ou pela inexistência cinemas que se quer exibam certos filmes numa dada cidade (o que ainda é bem comum quanto se trata de filmes de anime).

Por esse motivo também que esses elementos narrativos deixam de ser considerados spoiler mais rapidamente em obras populares e mainstream do que aquelas mais de nicho e que são menos comentadas por ai, pois há uma espécie de premissa adotada pelos grupos em geral de que “todo mundo já viu”, e por isso já não é spoiler. Essa premissa é normalmente levantada mais frequentemente em obras que possuem continuação, principalmente aquelas que são lançadas com bastante frequência. Pois há uma espécie de consenso que a maior parte da experiência dessas obras gira em torno do hype que elas produzem, de acompanhá-las de perto, e que por isso que não está “em dia” com essas obras acaba sendo marginalizado das discussões e per vezes desconsiderado delas, por não estarem apreciando essas obras da devida maneira, de forma que, se ela recebeu um spoiler de um filme, episódio, capítulo… que não do atual, a culpa é dela mesma. (e se você quiser entender mais sobre como o hype afeta o modo como consumimos e apreciamos certas obras, eu tenho outro texto sobre o assunto).

Outro elemento a ser considerado é o tamanho do potencial impacto que um spoiler tem no estrago da experiência de alguém. Claro que isso vai depender de pessoa para pessoa, mas há segredos e revelações mais impactantes do que outras. E nesse sentido, aquilo que for mais óbvio, genérico, previsível e fácil antecipação dentro da trama e dos elementos apresentados tem menor tendência a ser considerado spoiler do que as partes mais imprevisíveis, inesperadas e inovadoras de uma obra.

Por isso, é sempre bom estar ciente do contexto em que uma conversa se passa antes de falar sobre essa ou aquela obra, principalmente em espaços abertos, em que qualquer um possa simplesmente entrar na conversa e dar um pitaco. É justamente nesses espaços, inúmero nesse mar da internet, que pessoas de contextos completamente diferentes acabam interagindo entre si, e o que é spoiler para um pode ser considerado “saber comum” para outro… E ai já viu. Ao mesmo tempo em que todo mundo tem o direito de consumir qualquer obra no ritmo e tempo que bem entender, ninguém aqui é adivinho quem é que ainda vai assistir o quê.

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Marcelo Hagemann Dos Santos
Marcelo Hagemann Dos Santos

Written by Marcelo Hagemann Dos Santos

Rapaz de humor duvidoso que entrou essa de escrever sobre animes recentemente. Ex-aluno de filosofia e graduado em Letras, mas sempre estudando.

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