O Triste não-fim de Ash Ketchum
Nessa última sexta-feira, dia 24 de março, o mundo presenciou (grande asterisco aqui) o último episódio da série Pocket Monsters: Mezase Pokémon Master que demarcou o fim de Ash Ketchum, ou Satoshi no original em japonês, como protagonista da série animada e também como um dos principais rostos de uma das maiores franquias do entretenimento mundial.
Foi uma despedida prolongada de onze episódios, uma última oportunidade para Ash interagisse e se reencontrasses com seus mais nostálgicos companheiros de viagem, tanto humanos quanto pokémons, e infelizmente não foi muito mais do que isso.
Esse último capítulo teve os seus momentos, o episódio oito, por exemplo, ジュペッタのさがしもの!(Juppeta no sagashimono) ou em tradução livre “aquilo que Banette procura”, foi um ótimo representante para os muitos episódios focados em pokémons do tipo fantasma que a serie teve no decorrer de seus 25 anos. Trazendo uma dosagem delicada e precisa de tristeza e melancolia que apenas series infantis são capazes de aplicar.
O capítulo final também faz um ótimo trabalho em apresentar todas as melhores características que Ash nutriu no decorrer de suas jornadas. E com isso não me refiro ao fato de Ash ser um treinador de Pokémons capaz de extrair o que há de melhor de seus companheiros monstrinhos, nem sua criatividade em lidar com situações de batalha, não, a série nem sequer explora esse quesito. Mas sim a sensibilidade que Ash tem em lidar com o outro, em ouvir os seus problemas e ajudar a encontrar soluções numa verdadeira demonstração de empatia, companheirismo, lealdade e bondade. Qualidades essas que foram fundamentais para que Ash conquistasse a confiança de Latias no decorrer da temporada.
Essa temporada, ainda, serve como uma ponte entre suas conquistas mais recentes (se tornar o primeiro campeão de Alola e vencer a liga mundial de treinadores) e suas futuras aventuras. Afinal de contas, não importa o que Ash tenha conquistado no percorrer dessa jornada, não importa o quão alto tenha chego, sempre haverá novos desafios, desafiantes, lugares para explorar, pokémons para conhecer. E ainda que não estejamos lá para presenciar tais aventuras (ao menos não pela série televisionada, porque nunca se sabe se Ash vai ou não protagonizar novos filmes), não tenho problemas com esse capítulo final ter sido dessa forma, porque, pelo o que próprio personagem que Ash foi no decorrer desses últimos anos, esse é o final mais adequado para ele.
Mas… Se esse realmente foi o final adequado para o Ash como protagonista da série, por que ainda ficou esse sentimento de que Ash merecia um final melhor? De que faltou algo para finalizar de verdade a sua saga? (Aqui é claro, falando por mim, apesar d’eu ter visto outras pessoas expressarem a mesma opinião sobre a série)
O primeiro ponto a ser examinado quando nos deparamos com esse tipo de sentimento é a expectativa. E desde já podemos eliminar aquelas expectativas que estavam fora da realidade e que sabiamos que não iriam ser atendidas, em particular me refiro a esperança de que Ash tivesse um dos seus ships canonizados, ou seja, que Ash expressasse ter algum sentimento romântico por uma das suas antigas companheiras de viagem.
A gente sabe que durante a saga XY a Serena possuía uma grande admiração pelo Ash (leia-se crush) e que isso era um dos pontos mais fortes da sua personalidade, que tal característica continuou presente em sua aparição durante a série de 2019 e que na cena de despedida dela como companheira de viagem dele em XY fica implícito que a Serena da um beijo no Ash, nem que tenha sido um beijo no rosto… Enfim, por mais que tenha sido claro que a intenção dos roteiristas com a personagem era o de criar um subtexto romântico entre os dois, essa foi uma direção que foi tomada na saga XY e que acabou ali, não caberia retomar com essa temática num arco de despedida com o Ash, sendo com a Serena ou não.
Outros companheiros de viagem do Ash poderiam ter aparecido na série, incluindo a própria Serena? Sim, com certeza, mas não creio que tenha sido essa ausência a culpada por esse sentimento de incompletude que a temporada final causou.
Outro ponto que pode ter gerado uma expectativa não atendida foi o episódio especial, intitulado de Pocket Monsters: Haruka Naru Aoi Sora, que foi exibido entre essa temporada final e o último episódio da saga anterior, um verdadeiro episódio bônus, em que, ser entrar no território de spoiler, é trabalhado a questão do Ash ter sensibilidade com o uso da aura, que é inclusive o que permite o Ash a ter uma conexão especial com diversos de seus pokémons, incluindo o Lucario e o Greninja.
Por se tratar de um episódio bônus, antes dessa temporada final, eu estava esperando que isso fosse trabalhado de alguma forma durante esse final, mas foi um assunto que passou completamente batido.
E por fim… Cara, o Ash tinha acabado de ganhar do Steven, da Cynthia e, apesar de usar todas as grimmicks possíveis, do Leon, o Ash virou o campeão dos campeões, bixo… isso foi do balacubaco. Foi o mais alto que o Ash poderia chegar, e algo que estavamos esperado há, literalmente, décadas. É óbvio que isso impactou no que esperávamos de uma última aventura do Ash. Sim, ele se encontrou, ou se reencontrou, com a Latias, lutou ao lado dela e do Latios contra um caçador de Pokémons e tudo mais… Só que isso foi só um episódio, e nem se compara com o tamanho do que foi a sua conquista anterior.
De resto, toda a temporada foi de slice-of-life, de episódio atrás de episódio com o Ash sem ter um objetivo específico vivendo a vida dele como outro dia qualquer. E não há nada de errado com isso, até porque, o momento em que o Ash estava era de não ter objetivo mesmo, daquela desorientação pós uma grande conquista, mas isso não significa que estivéssemos esperando por mais.
Mas tem mais um fato, além das expectativas que possamos ter criado em cima desse arco final, que pode ter tornado esse final tão insatisfatório.
Ash é um treinador pokémon de 10 anos de idade. E isso não mudou desde o começo da série. Acompanhamos ele há 25 anos e ele continua sendo um garoto de 10 anos de idade. Por mais que ele tenha viajado pelo muito inteiro, experienciado uma vida de aventuras, aprendido tudo o que poderia aprender sobre batalhas pokémons e tudo mais, ele continua sendo apenas um garoto. Não cresceu, não amadureceu, não envelheceu. Nós, que os acompanhamos, mesmo que não necessariamente por todo esse tempo, sim, crescemos, amadurecemos, envelhecemos.
Em todo esse tempo, de uma saga para outra, Ash esteve preso em um ciclo de repetições, passando por todos os ritos da jornada do herói apenas para voltar para a casa e recomeçar tudo novamente. E essa última temporada foi apenas mais uma etapa desse ciclo sem fim, apenas mais um capítulo de sua infinita história de aventuras.
E isso é triste, isso é ruim, porque cria uma impressão de estagnação, de não sair do lugar, de que o Ash passou por tudo isso apenas para voltar ao ponto de partida e descartar todo o avanço que conquistara (uma característica do personagem que já havia destacado em 2018 no meu primeiro texto sobre personagens OverPower, quando falei sobre o powercreep).
Para cada saga, cada região, um novo Ash Ketchum, e não necessariamente um novo que nascia do anterior, de um aprendizado.
O que espero agora é que a nova protagonista, Riko, não seja aprisionada a esse ciclo de repetições como o Ash foi, que de agora em diante os roteiristas não tenham medo de trocar de protagonista quando for a hora de abrir as portas para um novo público, e que Pokémon chegue, com essa nova série, aos tempos modernos e passe a ser exibido simultaneamente ao redor do globo, ainda que dublado apenas em japonês, para que ressalvas como a do começo do texto não sejam mais necessárias.
Mas né, sem criar expectativas.