O tempo não para com Non Non Biyori
Atravancando meu caminho,
Eles passarão…
Eu nyanpasu!
Paródia: Poeminho do Contra — Mario Quintana
Com a primeira temporada de 2021 chegando ao fim vem com ela dezenas de despedidas entre otakus e seus animes favoritos, e dentre essas não há dúvidas de que as mais comentadas são as que envolvem as aventuras épicas dos animes mais populares da atualidade, como Re:Zero, Dr. Stone, Jujutsu no Kaisen, Black Clover e Shingeki no Kyojin.
É um ciclo que se repete, de novo e de novo, no fim de cada três meses, desde quando a indústria de animes deixou de dar preferência há animes perpétuos e contínuos, que por consequência acabavam recheados de fillers, para concentrar seus esforços em adaptações intercaladas entre si e entre suas próprias pausas, favorecendo a qualidade e fidelidade ao material fonte. — cof cof, com algumas exceções, é claro.
Mas os sucessos da Shonen Jump não são nem perto os únicas despedidas significativas nessa temporada que se vai, cada um possui um anime ao qual cultiva forte apreço, mas se tivesse que eleger dois amigos semanais que me farão falta daqui pra frente esses seriam a segunda temporada de Yuru Camp e a terceira de Non Non Biyori.
De uns tempos pra cá Yuru Camp tem se tornado um exemplo daquilo que todo slice-of-life deveria ser, o que é uma ótima coisa porque nunca foi fácil descrever qual é o apelo do gênero, ou do que ele é sobre. Junto de Rin, Nadeshiko e suas amigas, o anime nos leva a várias localidades do Japão, diversas delas são pontos turísticos famosos, enquanto outras espaços para acampamento, lojas, restaurantes, banhos a céu aberto ou simplesmente lugares com ótimas vistas.
Não faltam elogios para Yuru Camp a respeito do quão bem o anime é capaz de retratar a realidade de quem mantêm o camping como hobby, mostrando tanto os perrengues por quais alguém acampando passa como as suas recompensas. Tornando-se fonte de inspiração para que seus telespectadores tanto busquem nutrir tal hobby como olhem para o seu redor, para os detalhes do dia-a-dia, de uma maneira diferente. Além de é claro ser aquilo que os japoneses chamam de Iyashikei (癒し系), obras que possuem o efeito de curar aqueles que a consomem. Ou seja, verdadeiros calmantes para alma e eliminadores do stress de cada dia.
Essa característica de retratar um aspecto do cotidiano, assim como a capacidade de desintoxicar seus telespectadores, é um elemento bastante falado quando se discute o apelo de animes slice-of-life. Por outro lado, a relação do gênero com a passagem do tempo, que, ao menos para mim, é um dos motivos do final da segunda temporada de K-on! ter sido tão impactante, e o ponto principal em Kanojo to Kanojo no Neko, acaba sendo trazida menos à tona quando se discute esse tipo de anime.
E, apesar de parecer contraintuitivo que um anime focado na vida no campo, onde o tempo não parece passar, supostamente episódico e com personagens que não aparentam envelhecer possa retratar esse aspecto da vida humana, Non Non Biyori abraça com firmeza essa ideia e a usa para criar sua ambientação nostálgica.
O elemento se fortalece principalmente através da personagem favorita de todos, Renge Miyauchi, que é constantemente considerada a principal protagonista da série, dado o modo como ela enfoca em suas atividades cotidianas e na interação dela com as outras personagens.
Sendo inicialmente a mais jovem do grupo, Renge é uma criança bastante curiosa em diversos sentidos. Um deles é como ela está constantemente apreendendo e observando o mundo ao seu redor, de modo que um episódio em que a Renge não aprendeu algo novo é provavelmente um episódio em que ela teve pouca participação.
É visível a ligação o aprendizado constante de Renge ao seu crescimento como indivíduo, já que uma das coisas que separa um indivíduo adulto de um infante é o seu tempo de experiência no mundo. Mas o anime vai além ao traçar, ainda que de maneira breve, um paralelo forte entre Renge em seus primeiros anos de vida e a Renge de agora.
Quando bebê, a personagem demonstra ser bastante sensível àqueles ao seu redor, se irritando com facilidade e rapidamente explodindo em emoções, enquanto exterioriza uma natureza destrutiva, desconhecedora de limites ou respeito à propriedade alheia.
E por outro lado, a Renge dos dias atuais é bastante contida no que diz respeito às suas ações. Ainda que esteja sempre explorando os lugares ao seu redor e aprontando diversas confusões, que deixariam o narrador da sessão da tarde enciumado, Renge possui um forte senso de responsabilidade, respeitando tanto o espaço alheio como a própria natureza.
Esse senso de responsabilidade fica bastante evidente no episódio 4 dessa última temporada (nonstop), em que Renge conhece pela primeira vez uma garota mais nova que ela mesma, Shion, filha do policial residente. A partir desse momento, Renge externa que precisa agir com mais maturidade porque ela havia se tornado uma onee-chan, isso quer dizer, ela já não é mais a caçula da vizinhança e agora teria que agir como modelo para Shion, e até mesmo teria que cuidar dela de vez em quando.
Renge ainda compreende sua própria posição como criança, entendendo que ainda há muito no mundo para ela aprender e muito que ela ainda não entende, além de respeitar a voz dos adultos e recorrer a eles quando necessário. E, nesses dois aspectos, Renge parece ser uma das personagens mais maduras da série, apesar de sempre agir como alguém da sua idade.
No entanto, Renge demonstra em diversos episódios ter dificuldade em expressar seus sentimentos, e muitas vezes em até mesmo verbalizá-los, tornando muito difícil compreender o que ela está sentindo apenas observando suas expressões faciais.
Com exceção de emoções como surpresa, empolgação e até certo ponto raiva ou irritação, compreender o que Renge sente no decorrer da série necessita de uma mistura de observação de suas próprias ações e comportamentos, assim como conhecer pelo o que Renge passou nesse tempo.
Em particular sua relação com a proprietária da loja de doces, Kaede Kagayama (vulgo Dagashi-ya — 駄菓子屋, loja de doces em japonês), é um tanto quanto complexa. Por um lado Kaede é bastante protetiva em relação à Renge, enquanto mantem uma atitude de relativa indiferença, e a Renge possui um carinho especial pela Kaede, que demonstra de maneira sutil. Algo que só é visível quando se presta atenção nas ações de Renge.
Já a tristeza é um caso especial da série, sendo os dois momentos em que Renge experimenta tal sentimento os mais marcantes de todo o anime e também são momentos em que Renge aprende lições suas maiores lições.
A primeira delas acontece logo na primeira temporada, quando descobre que sua mais nova amiga, Honoka, não estaria mais lá para brincar com ela, pois Honoka estava apenas visitando os avôs que moram no campo, e, por conta do trabalho do pai de Honoka, Renge nem sequer tivera oportunidade de se despedir dela.
Apesar disso acontecer logo na primeira temporada, o impacto ainda pode ser visto na terceira temporada, e em dois momentos de forma bem clara. O primeiro foi quando Renge conheceu Shion, Renge acena para a mais nova diversas vezes depois de ajudá-la a voltar para casa, algo que a primeira vista é apenas algo engraçadinho, mas que para Renge possui um significado maior.
E a segunda foi ao final do recente retorno da Honoka à série. Apesar da neve, apesar do frio e de ser bastante cedo, Renge fez questão de ir até a frente da casa dos avôs de Honoka para poder despedir-se de sua amiga. Nesse momento é bastante difícil de descrever os sentimentos que Renge sente porque, bem verdade, há uma mistura deles. Por um lado Renge sente-se feliz por poder se despedir de sua amiga, mas ao mesmo sabe que não a verá tão em breve. Mesmo com falta de gestos, com as poucas palavras, o conflito de Renge é evidente.
Mas não é a tristeza que domina o coração de Renge nesse momento. Não, naquele momento Renge já é capaz de entender toda a situação, Renge compreende que cada um possui o seu caminho na vida, e que durante esse caminho sempre haverão encontros e desencontros, e ainda que seja dolorosa a partida ou que a ausência deixe buracos profundos, o tempo passa, as memórias e as conexões com aqueles que nos são queridos ficam, e é isso que importa.