Garotinhas Fofinhas para toda uma Década!!
Animes moe e slice of life não são uma novidade desse século. Desde o nascimento da mídia diversos autores têm retratado o cotidiano das mais diversas maneiras, criando personagens cujo apelo se vincula muito mais a sua natureza inocente do que a sua capacidade de lutar. Mas é claro que, com o sucesso estrondoso de K-ON!, produzido pela Kyoto Animation, logo antes do início da década de 2010, era de se imaginar que no decorrer dela diversos títulos não apenas tentassem reproduzir o seu sucesso como também emprestassem dele diversos dos seus temas e elementos narrativos. Fazendo com que esses gêneros se tornassem muito mais populares, representados na mídia e até mesmo reconhecidos pelo público geral.
É muito difícil medir, quantificar ou mesmo especular o quanto o sucesso de K-on no início da década impactou o cenário atual da mídia. Até porque o anime baseado na obra de Kakifly não foi o primeiro anime moe de sucesso e muito menos o único a popularizar o gênero, que apenas cresceu em presença e popularidade nos anos 2000s. De modo que podemos dizer que o sucesso de K-on não marcou o início da ascensão de animes moe, mas sim que ele foi o seu ápice. De uma forma ou de outra não há como negar que diversos títulos dessa década que chega ao seu termino foram influenciados por esse marco na industria, ou pelo menos beberam das mesmas fontes que resultaram na obra animada pela KyoAni.
A influência mais clara no decorrer da década fora o aumento considerado de animes envolvendo clubes escolares, ou a prática de um hobby por garotinhas colegiais. Antes do sucesso de K-on era pouco comum ver animes com abordagens semelhantes a essa, mas não é como se eles não existissem. Hidamari Sketch da Shaft, por exemplo, tem como núcleo narrativo quatro (mais tarde seis) estudantes do colégio de arte Yamabuki, que em sua vida colegial habitam o prédio de apartamentos Hidamari. Aqui, porém, o foco narrativo não está em suas vidas como estudantes de artes, ou mesmo o seu dia a dia dentro do espaço escolar, mas sim em suas vivências como estudantes que saíram das casas dos pais para viverem sozinhas em kitnets e a convivência entre elas como vizinhas de prédio. Até mesmo Lucky☆Star, também animado pelo KyoAni, se assemelha a K-on em diversos aspectos, ainda que ele não trate de um hobby em específico, mas da cultura otaku como um todo, e é claro em momento algum as protagonistas foram o próprio clube nem nada parecido. Mas de todo modo esses animes não eram tão prevalentes como são hoje em dia, sendo mais comuns os animes envolvendo clubes escolares serem os animes de esporte, geralmente com elencos masculinos.
Nesse sentido, está muito mais fácil encontrar animes moe que tenham como foco principal a atividade de um clube escolar. Houkago Saikoro Kurabu, com cada episódio trazendo ao menos um jogo de tabuleiro diferente, Rifle Is Beautiful, com muitas doses de fofura em estandes de tiros, e Anima Yell!, que é um notável exemplo do quão bem a Doga Kobo tem ligado com animes moe, são animações recentes que demonstram muito bem as diversas formas como essa proposta pode ser abordada. Com o primeiro utilizando os jogos de tabuleiro como instrumento para trabalhar, desenvolver e aprofundar a psique de suas personagens, o segundo seguindo para o aspecto mais competitivo dos clubes de esportes, enquanto o anime das líderes de torcida acaba sendo o que mais se aproxima de k-on, nos mostrando o quão divertido (e por vezes doloroso) pode ser se envolver e se aperfeiçoar em uma data atividade, o quão recompensador pode ser apresentar-se para os outros (ainda que para isso seja necessário vencer a timidez e o nervosismo) e, é claro, o bom e velho aprofundamento e fortalecimento dos laços entre os membros do clube, característica da qual todos os animes aqui compartilham.
Isso sem deixar de fora Dumbbell Nan Kilo Moteru?, do qual já escrevi a respeito aqui no Medium, que, apesar de seguir outra tendência e não envolver clubes escolares propriamente ditos, ainda envolve garotas do colegial em algum tipo de hobby.
Mas é claro, as possíveis influências do sucesso de K-on na industria não se limitam ao aumento de animes envolvendo clubes escolares ou hobbies específicos. Outros animes slice of life também seguiram certas tendências aparentemente iniciadas por K-on. Em particular, antes a maioria dos animes de comédia possuíam grandes elencos de personagens, que eram tanto trabalhados individualmente como a partir de núcleos de personagens ao redor do núcleo principal. Um exemplo disso é o anime Minami-ke, que tem como núcleo principal das três irmãs Minami e que estão rodeadas por seus diversos colegas de escola (que são muitos, já que cada irmã está em um nível escolar diferente da outra). Mas é claro, esses animes nunca deixaram de existir, ou não teríamos Joshikousei no Mudazukai na temporada passada, nem nunca teria escrito um texto comparando como Saiki Kusuo no Ψ-nan e Hinamatsuri tratam os seus personagens.
Mas o que houve de lá para cá fora um aumento de animes slice of life com um foco maior em suas protagonistas, geralmente com 3, 4 ou 5 personagens principais(ou seja, o tamanho de uma banda), e um número reduzido de personagens secundários. Animes como Slow Start, Yuru Camp△, e até certa extensão Hitoribocchi no Marumaru Seikatsu, se enquadram nesse quesito. Além disso, houve uma popularização de animes com episódios mais curtos e mangás 4-koma, assim como suas adaptações em anime, o que favorece uma maior presença de obras com elencos reduzidos na mídia.
Ainda sobre personagens, há o cliché da quinta personagem, que mencionei em um dos meus primeiros textos no médium sobre Sora yori mo Tooi Basho, que ainda que não seja uma invenção de K-on especificamente, até porque ele é bastante popular em tokusatsu (sim, Power Rangers entra nessa) e outros gêneros que se inspiraram nele (como Mahou Shoujo), a possibilidade dele ter trazido esse cliché para slice of life não é de se jogar fora.
Outra caraterística que marcou o sucesso de K-on na época fora o caráter multimídia que a franquia recebeu. K-on não era apenas consumido pela sua animação, o mangá que a originou ou as milhares figures das personagens centrais da trama, como também era consumida pelas suas músicas. Além dos diversos CDs, que contêm as músicas que marcam a narrativa, as aberturas e os encerramentos, e singles solos de cada uma das personagens, ao menos 35 mil fãs da série se reuniram no Saitama Super Arena para assistir as dubladoras da série cantarem no palco as 27 músicas mais icônicas da franquia em Dezembro de 2011 (K-ON!! Live Concert: Come With Me!!), mas do que o dobro do evento anterior, de Dezembro de 2009 (K-ON! Live Concert: Let’s Go!) que reuniu 17 mil pessoas.
Isso abriu espaço para que outras franquias tentassem algo parecido. Por exemplo, The Idolm@ster que já era uma franquia de Idols 2d finalmente recebeu sua primeira animação focada no cotidiano das suas personagens no começo da década de 2010 (sendo que antes tinha recebido apenas uma animação sprinoff com Mechas, Xenoglossia), apesar da série já existir desde 2005 (como jogo de arcade) e ser bastante popular dentro no meio Otaku. Desde então a série tem se tornado cada vez mais popular devido a variedade de personagens, que apenas aumentaram em números devido a chegada do Cinderella Girls, e do Shiny Colors (que ainda não possui animação), entre outros jogos que adicionaram ainda mais personagens a franquia.
Além de Idolmaster, Love Live! e BanG Dream! seguiram um caminho parecido, focando-se em jogos mobile para fidelizar o público e utilizando as animações para atrair ainda mais fãs. Ainda, podemos incluir Zombieland Saga que, apesar de ser uma paródia do gênero Idol que se formou nessa última década, também entrou de cabeça nesse aspecto multimídia, ainda que de forma não tão agressiva.
Para terminar, é importante reforçar que não há garantia de que qualquer um dos tópicos apontados por esse ensaio seja uma influência direta ou indireta de K-on especificamente, e é possível que tudo seja coincidência, e que essas tendências do mercado de animações japonesas já se estavam em formação há muito mais tempo, e apenas aconteceu de K-on estar no meio desse processo de transformação. Mas a verdade é que, para melhor ou pior, dependendo do que mais for do seu agrado, o leque de títulos sendo hoje exibidos na TV japonesa é bem diferente daquele de uma ou duas décadas atrás, e que (grande ou pequena) a animação produzida pela KyoAni fez parte dessa mudança.