Como o Hype dita nossos gostos

Marcelo Hagemann Dos Santos
11 min readJul 17, 2019

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As meninas de Hyouka certamente estão animadas com essa temporada, e você?

Tenho certeza que não falo apenas por mim quando digo que a temporada de verão de 2019 de animes está repleta de Hype. Seja pela ação histórica de Vinland Saga, a comédia romântica de Araburu Kisetsu no Otome-domo Yo., a narrativa policial de Cop Craft, pelo humor despretensioso de Joshikousei no Mudazudai, ou mesmo pela chegada do final da 5ª parte de JoJo, há certamente alguma estreia (ou encerramento, no caso de JoJo) com qual você, seu grupo de amigos, ou as diversas comunidades de anime estão animadas no começo da temporada atual.

E não é atoa, afinal, mesmo tendo esticado um pouco a introdução para citar uma quantidade maior de séries, não cheguei nem ao menos perto de listar tudo aquilo que, por bem ou por mal, chamou atenção da comunidade nessas primeiras semanas de Julho.

E são nesses momentos, em que muita coisa parece empolgar e chamar discussões calorosas, que surgem termos como o próprio hype, overrated e underrated para descrever, criticar e até mesmo elogiar um anime em relação a sua recepção por parte do público telespectador.

Mas o que significa exatamente hype? De onde ele surge? E como pode afetar nossa percepção sobre aquilo que assistimos?

Para começar “hype” é um termo que surgiu no meio publicitário, como uma forma a se referir àquilo que tem dado o que falar, ou seja, o assunto que as pessoas tem discutido e comentado ultimamente. Em outras palavras, o hype é o próprio objetivo da publicidade, afinal, o ponto mais alto de uma propaganda é quando todo mundo está falando nela, ou, ainda, nos termos de hoje, quando ela viraliza, vira combustível para memes ou se torna um bordão popular na fala cotidiana.

Exemplo disso seria a propaganda intitulada Pôneis Malditos da Nissan que espalhou como uma praga na internet em 2012, ou o próprio “pergunta lá no posto Ipiranga” que nasceu em 2011 e ainda é utilizado pela equipe de Marketing como uma espécie de segundo slogan da empresa.

É claro, o termo ainda é utilizando em um sentido bastante próximo da ideia original. Afinal, quando dizemos que dado anime é o, ou um dos, hype da temporada, queremos dizer que ele é o mais comentado, o que tem gerado mais discussão, etc, seja pela qualidade de sua adaptação ou de suas waifus.

Entretanto, a palavra “hype” também é utilizada como sinônimo para empolgação, ou animação, no sentido de estar animado com tal coisa. Por exemplo, quando alguém diz que “está hypado com Kanata no Astra” o que essa pessoa quer dizer é que ela está animada com o título, ou que ela está ansiosa pelo próximo episódio.

O que faz completo sentido, pois, nada mais natural que as séries mais comentadas internet e a fora sejam as mesmas pelas quais estejamos mais animados.

Dessa forma, temos dois tipos de hype diferentes, mas relacionados entre si. Aquele que é coletivo, ou seja, com o que o grupo está animado, e aquele que é interno, ou individual. E é importante fazer essa distinção porque por vezes sem sempre todos os envolvidos no hype coletivo estão envolvidos de forma individual com a série.

Por exemplo, pode ser que o seu anime preferido da temporada, aquele que te deixa ansioso a semana inteira para ver o próximo episódio, seja Kawaikereba Hentai demo Suki ni Natte Kuremasu ka?, mas dentro do seu grupo de amigos, ou das redes sociais que você participa na internet, não haja ninguém que seja interessado por esse tipo de comédia romântica. E esses seus amigos gostam mais de animes do tipo Shounen, como Enen no Shouboutai (vulgo Fire Force), e, portanto, você acaba acompanhando a série e participando das discussões em torno dela, apesar de não ser exatamente um fã.

Com esse exemplo podemos identificar as duas principais fontes de onde o hype é originado, e já ter uma ideia de como pode afetar a forma com que consumimos a mídia.

A primeira fonte está relacionada diretamente ao indivíduo, suas experiências e seus interesses. Se uma pessoa gosta muito de Mahou Shoujo, é bem provável que essa pessoa acabe se interessando por Granbelm em um primeiro momento, pelo simples fato de ser um tema que lhe atrai.

Ou ainda, essa pessoa pode gostar bastante da identidade visual da adaptação de Re:Zero e ter se animado para assistir Granbelm ao saber que ambos são produções de uma mesma equipe.

Ou talvez, essa pessoa tenha se impactado com os primeiros episódios, se identificado com a protagonista de uma forma ou de outra, gostado da proposta diferente da série, visto nela o potencial de algo bastante interessante… ou qualquer outro elemento tenha despertado sua curiosidade e atenção. É apenas natural que essa pessoa se empolgue para continuar assistindo a série.

O mesmo vale para continuações. Se alguém é muito fã das histórias de terror de Yamishibai, ou tenha sentido o vazio de sua alma preenchido pelo romance juvenil de Karakai Jouzu no Takagi-san, é até mesmo esperado que esse alguém esteja ansioso por retorno de seus personagens preferidos, ainda que o restante do seu grupo de amigos não esteja.

E se a primeira fonte de hype está relacionada ao individual, nada menos surpreendente do que a segunda fonte de hype estar vinculada ao coletivo, mas podemos ser um pouco mais específicos e dizer que está associada à propaganda.

E quando fato em propaganda não me refiro apenas ao material promocional produzido de maneira oficial pelas equipes e empresas responsáveis pelo trabalho de marketing, como prévias, trailers e anúncios. Mas toda e qualquer forma de propagar, através do boca-a-boca, a existência desses animes.

Um exemplo disso é o próprio Dr. Stone que já animava muita gente mesmo antes de sua estreia por dois grandes motivos. O primeiro é o fato dele ser o cargo chefe da Crunchyroll nessa temporada, o que querendo ou não contribuiu para ele entrar em pauta. Mas, principalmente, porque quem já estava acompanhando o manga, ou já conhecia o manga de uma forma ou de outra, havia elogiado o material original dessa adaptação, o que ajudou a criar uma expectativa em torno da série mesmo entre aqueles que nem sequer sabiam da existência do manga.

Com isso, o que se pode notar é que, de uma forma ou de outra, o hype individual pode gerar hype coletivo, visto que pessoas animadas com algo vão, eventualmente, manifestar essa animação para outras pessoas, e, ao mesmo tempo, o hype coletivo pode também gerar hype individual, pois é completamente normal alguém ficar animado com algo ao ver que outras pessoas também estão. Em outras palavras hype gera hype.

Podemos então dizer que o hype coletivo consiste de, no termo em inglês, “Buzz” ou também podemos utilizar o termo em português “burburinho” ou mesmo “murmúrio”, de pessoas comentando sobre. Enquanto o hype individual consiste naquilo que esse burburinho (ou aquilo que originou-o) pode provocar em nós mesmos, que se resume a excitação ou empolgação, e expectativa ou ansiedade.

Definido o que é hype, agora podemos identificar as formas com que ele afeta o nosso consumo da mídia. E começando pelo óbvio, o hype faz com que assistirmos coisas que, se não houvesse esse burburinho em torno delas, não assistiríamos por contra própria. Ou seja, o buzz cria curiosidade em torno da série, o que leva mais pessoas a assistirem e, possivelmente, gostarem dela.

Mas isso não vale apenas para animes que são elogiados pela comunidade, mas também para aqueles que são, em relativo consenso, classificados como ruins e péssimos.

Um exemplo infame nessa temporada é a adaptação da Light Novel de Arifureta Shokugyou de Sekai Saikyou que muito antes de sua estreia já havia um forte pessimismo em torno da série por conta do adiantamento da animação, da troca da staff no decorrer de sua produção, e pelo fato do autor da Light Novel ter demonstrado não estar muito satisfeito com os rumos que a adaptação estava tomando.

Não surpreendentemente quando o anime estreou ele rapidamente virou motivo de chacota e logo recebeu o título de pior estreia dessa temporada. O que, muito provavelmente, levou uma a outra pessoa a assistirem o primeiro episódio para verem por conta própria o quão ruim realmente estava.

Por outro lado, nem sempre o buzz (seja positivo ou negativo) em torno de um anime faz com que alguém assista o dado anime, muitas vezes o efeito é até mesmo o oposto, fazendo com que a pessoa tenha ainda menos vontade de assistir esses títulos que tenham muito buzz em torno. Seja por uma espécie de preguiça, falta de vontade em acompanhar algo só porque “todo mundo” está falando sobre, ou por não querer perder o seu tempo com algo que já sabe que é ruim.

Ao mesmo tempo, fazer parte, participar do burburinho ao redor de um anime, discutindo, defendendo suas waifus, ou conversando com seus amigos sobre o último episódio te faz se envolver mais com o que você está assistindo. O que ajuda a criar um valor sentimental por dada obra.

Por outro lado, assistir algo que parece que ninguém mais está assistindo, mas que te envolve, seja pela história, pelos personagens ou pelas temáticas que a série aborda faz com que você veja esse anime como uma espécie de tesouro secreto, o que também potencializa o valor sentimental que a obra possui.

E não é preciso falar que obras que tenham alto valor sentimental para uma pessoa vão ser melhores vistas do que aquelas que não possuem.

Partindo para o âmbito individual, o hype pode influenciar a nossa percepção daquilo que assistimos de duas maneiras. A primeira é pela excitação. Ao assistir algo pelo qual você está empolgado, tornamos mais propensos a entrar de cabeça na obra (a tal da imersão), e com isso nos envolvemos mais intensamente com a narrativa e com os personagens da trama, de modo que cada evento, cada momento triste ou engraçado pelo qual passamos.

Isso se torna bastante visível quando maratonamos de forma acidental um anime cujo foco esteja nas múltiplas reviravoltas de sua trama, ou que trabalhe com a expectativa do telespectador no decorrer de sua progressão. A ansiedade, curiosidade e nervosismo em saber o que vai acontecer a seguir te faz passar para o próximo episódio, e depois o outro, e mais um… E quando se dá conta você está as três da manhã prestes a assistir o último episódio da série, após gastar mais de quatro horas no que deveria ser só um episódio antes de dormir.

E obvio, um anime que te faz esquecer de dormir obviamente vai te impactar de alguma forma. Nem que seja te deixando cansado no restante do dia seguinte.

Por fim, a forma com que o hype mais influência o nosso consumo de animes é afetando diretamente com a nossa expectativa sobre aquilo que assistimos.

Quando há muito hype em torno de dada série, é natural que tenhamos uma expectativa alta ou positiva para ela. Enquanto isso, séries que não sejam muito comentadas, ou simplesmente não pareçam muito interessantes a primeira vista, geração uma baixa expectativa ou uma expectativa negativa em quem for assisti-las. Essas expectativas podem afetar nossa percepção daquilo que assistimos de diversas formas.

A primeira delas provem de uma característica de nossa psicologia constantemente citada em discussões sobre falácias argumentativas, o chamado viés de confirmação. Se vamos assistir um anime com a expectativa dele ser bom, temos a tendência natural de enxergar nele os elementos que nos agradam, enquanto se vamos acompanhar algo com a expectativa desse algo ser ruim, temos a tendência em enxergar aquilo que não nos agrada. De forma que nossa expectativa acaba guiando aquilo que vai se tornar mais evidente para nós.

Ao mesmo tempo o viés de confirmação também reforça nossas opiniões positivas ou negativas a respeito de dados animes quando somos expostos às opiniões e reações de outras pessoas. Temos a tendência de selecionar e considerar as opiniões alheias que reforçam ou revalidam o que pensamos, de modo que constantemente permanecemos em uma posição de conforto cada vez mais justificada.

Por outro lado, se você tem expectativas altas sobre uma obra e esse título não consegue alcançar as suas expectativas,cria-se uma decepção em relação a essa obra, o que pode acabar se transformando em uma percepção negativa desse anime. O que novamente leva ao enaltecimento dos pontos negativos da obra, assim como a seleção de opiniões contribuam para essa percepção.

Em contrapartida, o contrário também é verdade. Ao ter uma expectativa baixa sobre algo, e esse algo consegue vencer essa expectativa e surpreender positivamente, acaba-se criando uma percepção positiva a cerca da obra.

E isto não vale apenas para expectativas de algo bom ou de algo ruim. Por vezes, esperar um anime seja de um jeito e percebê-lo de outra forma pode produzir o mesmo efeito. Por exemplo, ao esperar que um romance seja mais inclinado para comédia e surpreender-se ao vê-lo mais voltado para um melodrama pode tanto criar uma percepção positiva ou negativa sobre a obra Dependendo, é claro, se essa surpresa agradar ou desagradar o telespectador, o que vai depender do gosto de quem estiver assistindo ou, por vezes, da vontade ou humor dessa mesma pessoa.

É claro, essas mudanças de percepção não necessariamente ocorrem apenas quando o telespectador começa a acompanhar algo, e podem acontecer durante o desenrolar da narrativa, com viradas de enredo ou mudanças de tom que surpreendam o leitor, ou mesmo durante o hype pré-lançamento da obra.

Saindo um pouco dos animes para exemplificar, recentemente houve uma grande controversa envolvendo os jogos da série Pokémon, Sword e Shield, que serão lançados ainda esse ano (da qual falei mais sobre nesse texto aqui) que causou uma grande mudança nos ânimos da fanbase acerca dos futuros jogos.

Antes dessa controvérsia o hype para os novos jogos estavam nas alturas. Havia certamente críticas quanto a visual e gráficos dos jogos, mas certamente essas críticas pareciam pequenas em comparação com a empolgação para esses lançamentos. Entretanto, após a polêmica o ânimo da comunidade mudou completamente, e as críticas que antes eram pequenas, relativamente rasas e pouco comentadas se tornaram bem mais profundas, contundentes e protagonistas das principais discussões acerca dos jogos.

O que sinaliza o modo como nosso viés acaba selecionando e enaltecendo as coisas boas de algo quando o vemos de modo positivo e como os elementos ruins acabam chamando mais atenção quando nossa opinião é mais negativa.

O que podemos concluir disso tudo é que sim, o hype nos influência de diversas maneiras, tanto a gostar de certas coisas e desgostar de outras, a assistir ou não assistir certos títulos e, principalmente, potencializa e polariza nossas opiniões a respeito daquilo que acompanhamos.

Mas isso quer dizer que hype é ruim? Que não deveríamos nos deixar levar pela opinião pública de algo, e ignorá-la para ter uma percepção mais limpa, pura e orgânica daquilo que assistimos?

E para responder a essas perguntas faço outra: É realmente isso o que queremos? Nosso objetivo em ver animes, ou consumir qualquer outra forma de mídia, é realmente ter uma opinião pura e imparcial a respeito dela?

Independente de qual seja a resposta para essa segunda pergunta, é fato que o hype faz parte do modo como consumimos animes hoje em dia, principalmente atrelado às novas temporadas, aos lançamentos, ao que está saindo e as estreias que ainda estão por vir. E por mais que ele influencie o gosto de algumas pessoas, definitivamente ele não é o único componente que irá definir se gostamos ou não de algo.

Nossos tópicos de interesse, humor, a fase da vida em que estamos, nosso repertório e conhecimentos gerais, assim como nossa proximidade com a própria mídia podem muito bem influenciar, tanto para mais como para menos, aquilo que gostamos ou deixamos de gostar. Isso sem mencionar o fato de que a influência do hype depende de tantos outros fatores para nos impactar que é praticamente impossível prever para onde ele irá nos levar.

Além disso, participar do hype, discutir, falar bem e mal daquilo que é mais comentado nas comunidades de anime faz parte da diversão de acompanhar as temporadas. E é um dos, ou possivelmente o principal, motivos para as pessoas de fato acompanharem as temporadas em vez de simplesmente esperarem que esses animes saíam para assistirem o que der na telha, quando der na telha.

Inclusive, essa é uma das principais críticas ao modelo da Netflix em disponibilizar suas séries licenciadas e originais de uma vez só, em vez de progressivamente, com um episódio de cada vez. E não digo isso apenas me referindo aos animes licenciados pela plataforma, que são exibidos de maneira tradicional nas redes japonesas, mas também no conteúdo que ela mesmo produz, como filmes e séries. Que poderiam muito bem gerar um buzz contínuo caso fossem exibidas aos poucos, o que naturalmente atrairia ainda mais o público algo, o que por sua vez daria uma longevidade ainda maior para cada uma das produções lançadas pela plataforma.

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Marcelo Hagemann Dos Santos
Marcelo Hagemann Dos Santos

Written by Marcelo Hagemann Dos Santos

Rapaz de humor duvidoso que entrou essa de escrever sobre animes recentemente. Ex-aluno de filosofia e graduado em Letras, mas sempre estudando.

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