A Genialidade por trás de Deep Cut

Marcelo Hagemann Dos Santos
15 min readAug 24, 2022

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Renderização dos modelos do Deep Cut

Neste último 10 de Agosto, a Nintendo revelou, através de um Nintendo Direct focado em Splatoon 3, os novos personagens que representaram esse novo título na franquia, que são chamados pela comunidade de “Idols”, o trio Deep Cut, composto pela Octoling Shiver*, pela Inkling Frye e pela arraia Big Man, que serão responsáveis pelos anúncios dentro do jogo, o que inclui quais modos estão disponíveis no momento, quando uma nova Splatfest se aproxima, assim como o seu resultado, e por ai vai.

Não há dúvidas de que o trio foi uma das coisas mais comentadas após o Direct, repercutindo em reações tanto positivas quanto negativas. Com alguns exaltando a Shiver como a mais nova Waifu da galera, outros declarando uma supremacia do Big Man, e muitos rindo do design da Frye por ela superar a Pearl no seu tamanho de testa…

Quer você tenha gostado dos design desse trio ou não, a verdade é que há muito mais a respeito dessas personagens do que seus visuais maneiros e cartunescos. E pretendo nesse texto analisar o que há por trás do design do Deep Cut, assim como os temas que são evocados por ele.

Com isso dito, é bem importante aqui fazer uma ressalva até que um pouco óbvia: O jogo não saiu ainda, o que significa que não sabemos tudo sobre o grupo, nem mesmo qual será a sua função na história e no jogo para além da sua atuação como anunciantes.

Mas sabemos, sim, que o trio terá algum papel no modo solo, visto que suas máscaras estão presentes na arte de anuncio da campanha, e por estarem em Alterna (cenário da campanha) quanto as três personagens foram apresentadas. Além de já conhecermos seus designs e algumas características de suas personalidades, que serão um dos pontos principais de análise.

Artes oficiais de Deep Cut e de Return of the Mammalians lado a lado com as máscaras destacadas.

Como toda a análise, sempre se deve partir do que é mais básico para então se aprofundar nos detalhes menos evidentes a uma primeira vista. Portanto, olhamos para o significado de “deep cut” por si só, sem nenhum contexto.

Literalmente, o nome do grupo significa “corte profundo”, já faz uma alusão a presença de certos materiais perfurocortantes nos designs das personagens, como os brincos de Shiver e Frye, os dentes das máscaras, os talhos nas calças da Shiver, o buraco nas da Frye, e até no próprio fato do Big Man ser uma arraia, já que muitas arraiais possuem ferrões em suas caudas que podem causar um belo de um estrago.

Já no âmbito musical, “deep cut” é uma expressão que se usa para fazer referência a uma peça musical não muito conhecida de um autor ou compositor muito famoso, as famosas (por não serem famosas) músicas do lado b do disco. Esse mesmo termo também é utilizado para se referir a fatos que só são conhecido por entusiastas de uma certa área, de uma maneira mais ampla. O que pode ser relacionado com o uso de máscaras das personagens e de seu papel, possivelmente mais obscuro, nas atividades em Alterna.

“Deep cut” também pode ser relacionado a dois outros termos:

O primeiro é “deep sea” (mar profundo), que num jogo como Splatoon, em que todos os personagens remetem a criaturas marinhas, não é nenhuma estrapolação fazer essa associação. Entretanto, vale lembrar que muitas espécies de arraias costumam se enterrar no fundo do mar, mesmo que Big Man não seja baseado em uma que tenha esse habito.**

Ainda, há elementos do design de Frye que lembram o de uma lula-vampira-do-inferno (Vampyroteuthis infernalis), como suas características vampirescas, incluindo os dentes e orelhas alongados, a cor do interior de sua boca e da ponta de seus dedos, além da roupa que usa, que lembra um pouco a pele que liga os tentáculos do animal marinho, que sim, vive em água profundas.

Visualização do descrito a cima. (Creditos à Cassette Bat no twitter por ter feito essa associação.)

Ao mesmo tempo, Shiver pode ser comparada com um polvo-dumbo (Grimpoteuthis), outro animal encontrado em águas profundas, devido ao formato oval do seu rosto e de suas orelhas, das suas rompas que lembram o formato do animal quando está esticado (o que faz para parecer grande e afastar predadores, comportamento que você pode ver nesse vídeo), e o próprio corte de cabelo, que lembra o polvo-dumbo quando está retraído.

E o segundo termo, “side cut”, é o nome de um estilo de corte de cabelo cuja principal característica está no fato de se raspar uma das laterais do cabelo e o jogar para o outro lado, deixando a parte raspada em evidência. O que é bem parecido com os cortes de cabelo que as próprias Shiver e Frye têm.

Como Splatoon é um jogo japonês, não dá para deixar o lado os nomes em japonês. Afinal, por ser uma localização, ele acaba se tornando uma reinterpretação do nome original, em japonês. O que significa que aqui há uma tentativa de extrair a essência do nome em japonês, do que se queria representar nesta outra língua.

O grupo é chamado em japonês de すりみ連合 (Surimi rengou), sendo que a porção escrita em kanji (連合) significa união, aliança ou combinação, como substantivo, e federalizar, unir e combinar como verbo, quando o substantivo é derivado com o acréscimo do verbo する (suru), fazer em japonês.

Há três línguas que traduziram o nome de maneira literal. Sendo elas: o Chinês, que traduziu para 魚漿幫 (yú jiāng bāng), Gang da pasta de peixe; o Espanhol, que traduziu para Clan Surimi, Clã Surimi; e o Alemão, que traduziu para Surimi Syndicate, Surimi Sindicato.

A tradução de Rengou para Gang, Clã e Sindicato nos é interessante porque dá três significados distintos de que tipo de união/aliança o Deep Cut é. Sendo que Gang ressalta uma vertente rebelde do grupo, Clã um apelo às tradições, e Sindicato nada mais é do que um grupo que representa uma classe social e defende os direitos dela.

Já “Surimi” é um termo que pode ter mais de uma interpretação. Surimi(すり身, ou 擂り身(forma em desuso)) é um produto alimentício feito a base de pasta de peixes brancos, aqui no ocidente o mais conhecido é aquele que imita o sabor do caranguejo japonês, o Kani-kama (muitas vezes chamado só de Kani, que é a palavra para caranguejo no Japonês[蟹]).

Além do Kani-kana, o Naruto, ou Narutomaki, é comumente presente no Ramen, o Surimi também é encontrado no Oden (御田), uma comida típica de rua e de bares japoneses, mais associada ao inverno.

Surimi também pode ser entendido como um trocadilho com a pronúncia japonesa da palavra três em inglês, three (スリー), e Mi (み), uma das possíveis leituras para o número 3 em japonês. Algo que fica evidenciado pelos nomes dados ao grupo nas línguas francesa (Tridenfer), italiana (Trio Triglio) e coreana (삼합파 (Samhabpa), tríade ou trio), que fazem referencia ao número de membros do grupo.

Dessa forma, temos três linhas de nomes para o grupo dentre as várias línguas para as quais o jogo tem tradução. As traduções literais do nome japonês (o que incluiria o próprio), aquelas que ressaltam o número de integrantes, e Deep Cut (o que inclui português de Portugal e o holandês).

Mas como “Deep Cut” captura a essência de “Surimi Rengou”?

Novamente, aqui é uma questão de interpretação, pois Surimi é sem dúvidas um parte considerável da culinária japonesa, de forma que é difícil de pensar que alguém tenha comido comida japonesa sem ter uma vez comido algum tipo de Surimi, seja pelo Naruto presente no Ramen, ou no sushi feito com Kani-kama, presença garantia nos restaurantes de sushi aqui no Brasil.

Ao mesmo tempo, Surimi é um composto, uma massa processada de carne de peixe, que naturalmente não é feita com a mesma carne de peixe branco que se compra no supermercado ou mesmo numa peixaria. É aquele rejeito, aquelas espécies que, por si só, ninguém vai querer comprar, não sendo algo vendido ao público geral. Ou seja, aquilo que compõem o Surimi é o próprio Deep Cut, é aquilo que não é popular dentro de algo que é extremamente popular.

Ao mesmo tempo, Corte Profundo, como nome de um grupo soa de fato como uma resistência, como uma união contrária à ordem vigente. O que nos trás de volta para os múltiplos significados da palavra Rengou nas línguas em que fora traduzida. Essa resistência, contudo, não é contra o que é tradicional, nem cultura, pelo contrário, é uma busca por mantem a tradição e os costumes vivos, algo que se relaciona com algo que veremos mais para frente.

Além do nome do grupo temos, obviamente, o nome de cada um dos seus três membros.

Para começar, Shiver, em inglês, é tanto o nome dado para o coletivo de tubarões, como é como se chama o ato de tremer de frio. Enquanto isso, o nome de Frye também pode ser lido como “Fry” de coletivo de enguias, ou como frito. Ou seja, as duas representam opostos, uma o frio, e a outra o calor, ao mesmo tempo que ambas se relacionam a um animal marinho, ambos carnívoros.

Já em japonês, Shiver se chama Fuuka, que é tanto um derivado da palavra tubarão em Japonês (鱶, leia-se fuka, e não confundir com 鮫, que se lê same e é também uma palavra para tubarão) e o nome feminino Fuuka, que é geralmente composto pelo kanji de vento (風) e ou o kanji de flor (花) ou o kanji de aroma (香)

Já Frye se chama ウツホ (Utsuho), que foneticamente próximo da leitura do kanji para enguia (鱓), que se lê utsubo, ao mesmo tempo que também pode ser associado com um nome feminino, geralmente escrito com o kanji para céu (空) ou como 空穂.

Ou seja, ambos os nomes tem relação, além dos seus animais, ao ar. Sendo vento ar em movimento, e o céu o espaço natural do ar, talvez dado uma ideia de um não-movimento… De qualquer forma, em ambas as línguas, a relação entre Shiver e Frye pode ser vista como sendo dois lados de uma mesma moeda.

Por fim, e longe de ser menos importante, está Big Man, que pode soar como o nome mais inocente e menos imaginativo do grupo, já que Big Man se refere apenas a um homem grande e ao fato dele ser uma arraia (Manta ray, em inglês e マンタ, manta, em japonês), bem direto ao ponto…

Porém, se olharmos para os nomes em japonês veremos que esse destaque para o sexo masculino, para a palavra homem, acaba sendo importante para contrastar com os nomes femininos das outras duas personagens. Em japonês Big Man se chama マンタロー (mantarō), que é a combinação das palavras, man (do inglês mesmo), manta (arraia) e Tarō, que é um nome japonês, notoriamente masculino, sufixo do nome de muitos personagens do folclore e da literatura japonesa, incluindo animes.

Momotaro, Jotarō Kujō (de JoJo), Kitaro (GeGeGe no Kitaro), e até mesmo Hamtaro, são apenas alguns exemplos de personagens que usam o sufixo da mesma forma que em Mantaro. Sobre o significado, ele depende do kanji utilizado, mas aqui destaco a forma que é estrita com os kanjis 太 (futo, grosso)e 郎 (rou, filho), que significa forte, heroico e masculino.

Em outras palavras, Mantaro significa homem másculo, homem forte, homem heroico, um verdadeiro homão da porra. De forma que Big Man é uma tradução bastante adequada.

Mas por quê dessa fixação no masculino? O que isso tem haver com os temas do jogo? Com a vida marinha e tudo mais?

Bom… Tudo. Mas vamos por partes.

Sabemos que, segundo a lore do jogo, em algum momento dentre Splatoon 2 e Splatoon 3, os Inklings, e por consequência os Octolings que voltaram à superfície após o final da Octo Expansion, passaram a migrar de Inkopolis para Splatlands após a vitória do time Caos contra o time Ordem, fazendo com que essa região recebesse um grande e súbito aumento em sua população como no próprio prestígio da região.

Acontece que Splatlands, em japonês, é chamado de バンカラ地方 (bankara chihō), ou região de Bankara, numa tradução literal. E aqui que mora a pulo do gato, pois Bankara pode ser relacionado a três coisas distintas (mas relacionadas entre si).

O primeiro é que esse termo dá nome a um restaurante japonês de Ramen, que tem esse nome justamente para fazer alusão a um movimento anti-moda que se iniciou na era Meiji no Japão, e que foi protagonizado, principalmente, por homens que se opunham à nova tendência de ocidentalização do Japão, que ocorria mais significantemente entre os homens da alta sociedade, que adotavam o uso de ternos, e cortes de cabelo e barba vindos da Europa como forma de fazer com que o Japão se mesclasse com o mundo dito civilizado.

O termo é faz um paralelo com o termo utilizado para se referir ao movimento de adoção às tendências vindas da Europa, ハイカラ (haikara, de high-collar, em referência aos ternos, e também poderia ser traduzido apenas para “tendência”, ou aquilo que está em tendência) — Não coincidentemente é o nome dado para Inkopolis em japonês, e contém um trocadilho com as palavras lula e cor (イカ, ika e カラ, kara) — substituindo o “hai” por “ban”, que vem de 蛮, que significa selvagem, ou bárbaro.

Além de se opor à ocidentalização do Japão, o Bankara também possuía uma exaltação da masculinidade do homem japonês tradicional em oposição à moda masculina europeia que era vista como mais afeminada. Trazendo a figura de homens musculosos e seminus. Dai a relação com Big Man (que como cereja do bolo veste praticamente nada) e a exaltação do seu nome pelo masculino. Além disso, também explica o sentido por trás da máscara do Big Man, pois, enquanto as da Shiver e da Frye são um tubarão e uma enguia, respectivamente, a de Big Man se assemelha à uma máscara por um samurai em sua armadura, que por sua vez representa um oni (monstro da cultura japonesa)

Em paralelo, esse movimento provocou o surgimento de uma estética, que é nossa terceira relação com o termo Bankara, que está bastante associado à imagem do delinquente japonês, daquela presente nos personagens de Yu Yu Hakusho, do já mencionado Jotaro, e é bastante associada a um tipo de uniforme masculino estudantil utilizado no período Taishou (pós era Meiji).

Ilustração do uniforme em questão.

Associar o movimento Bankara com a história de Splatoon é uma questão de bom senso. Assim como o Japão foi inundado com a cultura europeia na era Meiji com a abertura do país para o restante do mundo (e forçada na população pelo governo japonês na época), podemos assumir que moradores originais de Splatlands tiveram que se adaptar a nova cultura que veio de Inkopolis pós a última Splatfest de Splatoon 2, com a construção de residências para os novos imigrantes, assim como o estabelecimento de lojas e a adoção da moda cultuada pelos Inklings.

E é ainda que entra o [possível] papel do Deep Cut dentro do jogo. O grupo, como herdeiros das tradições de Splatville, tem o papel de manter viva a cultura da região frente as novas mudanças dos tempos atuais, não como uma forma de combater a nova cultura que invadiu a região, mas buscando uma forma de coexistência entre a cultura tradicional e a cultura moderna.

Essa é uma ideia que pode ser sentida na própria splatfest. Diferente das splatfests dos dois primeiros jogos, em que o hub do jogo era dominado por, no primeiro jogo, um show de idols no estilo k-pop e, no segundo jogo, um show rap ou hip hop, em Splatoon 3 a cidade se decora com lanternas de papel e é invadida por carros alegóricos de onde o Deep Cut traz sua dança, e música, tradicional.

E por falar das hubs do jogo, a própria inspiração por trás desses espaços nos diz bastante a respeito dessa dinâmica entre as culturas do novo e do antigo.

Splatoon, o primeiro jogo, tinha a sua hub, Inkopolis Plaza, baseada na região de Shibuya, mais especificamente em seu famoso cruzamento, localizado no coração de Tóquio, símbolo da modernidade japonesa, assim como de seu estilo de vida desenfreado representado em uma cidade empresarial que nunca dorme.

Inkopolis Plaza e um dos cruzamentos de Shibuya lado a lado.

Já Splatoon 2 tem sua hub, Inkopolis Square, baseada na Times Square de Nova York, e aqui nem preciso dizer que o mesmo que foi dito sobre Shibuya no parágrafo anterior poderia ser repetido aqui. Afinal, trata-se do coração figurativo do mundo capitalista.

Inkopolis Square e Times Square lado a lado.

Por sua vez, Splatoon 3 tem sua hub, Splatville (ou Rua de Bankara, adaptando do Japonês), bem possivelmente inspirada na região de Quarry Bay, em Honk Kong, mais especificamente na Quarry Bay Street. O que, se for realmente verdade, se mostrará como uma escolha bem adequada para a proposta por trás da lore do jogo, já que a própria região de Quarry Bay viu um grande aumento no seu prestígio nos últimos anos, recebendo diversas construções novas, incluindo condomínios de prédios de alto padrão e edifícios comerciais igualmente luxuosos, que se contrastam com os prédios antigos, mais simples e ocupados por uma massa menos rica da população de Honk Kong.

Splatville e um dos conjuntos de prédios mais antigos de Quarry Bay lado a lado.

A adoção por uma localidade em Hong Kong também se alinha com a estética adotada durante a própria splatfest de Splatoon 3, uma vez que a presença de lanternas de papel e os próprios carros alegóricos podem ser relacionados com o carnaval chinês, e o festival das lanternas de papel que é realizado na China.

Além das lanternas de papel, a presença de barracas de comida na base dos prédios é um costume da cultura urbana chinesa.

Independente dessas referências à história moderna, e atual, da humanidade serem apenas um curioso subtexto presente na lore, na ambientação e na estética do jogo, ou se de fato terá uma influência mais significativa na narrativa, não é a primeira vez que Splatoon se aproveita de uma crítica ao capitalismo baseado em um consumo supérfluo.

Além de Splatoon se apropriar de objetos do dia a dia — e da própria história da Nintendo como empresa de brinquedos e produtora de hardware para video-games — na inspiração das armas do jogo e dos cenários da campanha, a motivação por trás do mais recente vilão da série apresentado na Octo Expansion, comandante Tartar (mais conhecido como o Telefone), é seu ódio infinito pela cultura dos Inkling em colocar a moda e os esportes acima de tudo, vivendo praticamente em função dos dois. Algo que, para Tartar, não faria sentido algum, pois fora programado para reconhecer aquilo, e apenas aquilo, que é essencial para vida das pessoas. O que o leva a querer destruir Inkopolis.

A questão é que Tartar não consegue enxergar que, ao mesmo tempo que deseja destruir os Inkling por conta de seu estilo de vida, ele também venera os humanos (supostamente extintos no mundo de Splatoon) como verdadeiros deuses, apesar de termos, em essência, basicamente o estilo de vida supostamente ilógico da nova espécie dominante tem em Splatoon.***

Notas de Rodapé:

*Pouco depois de Shiver ter sido anunciada, algumas questões a respeito do gênero da personagem foram levantadas, em virtude do fato de todas as publicações oficiais do jogo evitarem o uso de pronomes, assim como as falas da própria divulgadas até então, que pudesse fazer alusão ao gênero dela, incluindo na língua japonesa, em que ela faz o uso tanto de “uchi” como “onore”, que no dialeto de Kansai pode ser lido como pronomes sem gênero definido dependendo do contexto (vide artigo da Nintendo Life em inglês). A única exceção à essa regra foi a Nintendo de Portugal, que se referiu a personagem utilizando “pela”, o que é entendível visto que a Língua Portuguesa não possui, ainda, de forma oficial pronomes de gênero neutro ou sem gênero. E como em português, diferente de outras línguas, o gênero gramatical não necessariamente reflete o gênero do sujeito a quem se refere, o uso de um pronome feminino não deve ser visto como evidencia contrária ao fato, ou possibilidade, de Shiver ser não-binária, ainda que, no tweet em questão, o uso do artigo pudesse ser evitado. Por esses motivos, se utilizou o feminino para se referir a personagem durante esse texto, mas a intenção não é de negar que não seja não-binária, nem lhe atribuir ao sexo feminino. Ao mesmo tempo, vale considerar que não há, no presente da escrita desse artigo, qualquer posicionamento oficial a respeito do gênero de Shiver.

**Como adendo, Big Man é baseado na Arraia-pintada (Aetobatus narinari), uma espécie que pode ser encontrada em águas tropicais ao redor de todo o mundo (vide mapa abaixo), incluindo no estado brasileiro de Recife, onde se encontra em seu melhor estado de conservação. Há a possibilidade de, por ser uma espécie comum por aqui, que essa vibe de Brasil que muitos de nós sentimos com a música tema da Splatfest tenha alguma relação com isso, mas como o próprio carnaval de rua chinês (e alguns japoneses) possui certas similaridades com o nosso (como desfiles dançantes), também deve ser considerado que não se trata mais do que coincidência, já que a música reflete essa dualidade, e harmonia, entre o tradicional e o moderno, que, como explorado nesse texto, é o tema central do Deep Cut.

Mapa e imagens da Arraia-pintada tiradas da página no wikipédia.

***Por esse motivo, há um subtexto de questões raciais e racismo em algum dos diálogos da Octo Expansion em inglês, que não estariam presentes, ou não tão evidentes, no jogo em japonês. Um dos temas desse excelente vídeo que a Rassicas publicou no começo desse ano.

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Marcelo Hagemann Dos Santos
Marcelo Hagemann Dos Santos

Written by Marcelo Hagemann Dos Santos

Rapaz de humor duvidoso que entrou essa de escrever sobre animes recentemente. Ex-aluno de filosofia e graduado em Letras, mas sempre estudando.

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